por João Alves das Neves
Visão noturna da Baía de Luanda - foto de Cristiano Arbex Valle
I
Cerca de 40 mil brasileiros já teriam desembarcado em Angola, nos últimos anos, ao mesmo tempo que alguns angolanos (e em particular as mulheres) vêm cada cada vez em maior número “fazer compras” no Brasil, desde roupas aos pequenos utensílios domésticos – primeiro, voavam de Luanda a Fortaleza, na região nordeste, e agora começaram a descer até São Paulo, no sul. E dizem que, apesar do alto custo da viagem, vale a pena, porque são muito mais caros os produtos de outros países, incluindo os adquiridos em Portugal (os exportadores que se cuidem, pois os ventos mudaram).
O que está ocorrendo não seria novidade no fim do século XVIII e no começo do XIX, isto é, reata-se uma tradição secular. Quem sabe História, recordará que os oportunistas holandeses, em virtude da guerra com os espanhóis, tentaram asfixiar a economia portuguesa (ou luso-brasileira?) por meio da ocupação do Brasil), pois chegaram a dominar uma boa parte do Nordeste e foram até Angola, instalando-se em diversos pontos do território. Portugal conseguiu libertar-se das grilhetas filipinas, mas os flamengos venderam por bom preço as zonas conquistadas temporariamente pelos militares dos comerciantes vitoriosos.
Em relação a Angola, foram os portugueses do Brasil e os seus descendentes “brasilianos” os principais financiadores da reconquista genuinamente luso-brasileira, ainda que com o denodado apoio da Metrópole, esgotada pelos roubos napoleônicos e, depois, com os gastos da guerra contra “nuestros hermanos (vizinhos, sim, mas não irmãos). A penúria lusitana de homens e dinheiro foi tão grande que o Padre Vieira, na dupla condição de diplomata e negociador, chegou a admitir a hipótese de Portugal ter de recomprar aos holandeses as terras que eles tinham descaradamente roubado a Portugal!
Felizmente, o despudor dos flamengos não conseguiu descaracterizar o Nordeste do Brasil, em virtude de eles haverem sido vencidos para sempre na batalha dos Guararapes (no Recife), ao mesmo tempo que as posições assumidas em território angolano foram destroçadas. Evidentemente, há contemporâneos que não sabem nem querem saber que a unidade do Brasil e de Angola só tem uma explicação – a coragem que os lusos demonstraram na luta contra os inimigos de ontem no antigo Ultramar e até em Portugal. E dizê-lo não significa que os portugueses fossem colonialistas dos tipos inglês, francês, espanhol, holandês, alemão ou italiano.
Não obstante, quando ocorreu a independência do Brasil, em 1822, houve quem, em Angola, defendesse a separação de Portugal e a união em nome de uma brasilidade atlântica, nessa altura tão débil quanto irrealista. O episódio histórico é mal conhecido, mas está documentado no livro Angola e Brasil – 1808-1830, da autoria de Manuel dos Anjos da Silva Ribeiro (ed. Agência Geral do Ultramar, Lisboa. 1970).
II
Mais de 50 empresas brasileiras (grandes, médias e pequenas) estão já instaladas em Luanda e outros lugares, conforme artigo de O Estado de S. Paulo, assinado por Edison Veiga, com base em informações da Associação de Empresários e Executivos Brasileiros em Angola. Os empreendimentos são de vulto – o Grupo Odebrecht, por exemplo, dispõe de 10 mil empregados (2.500 são brasileiros) e fez várias centrais hidroelétricas, constrói imóveis e participa das obras de saneamento de Luanda e participa do único central de compras do país (tem 89 lojas), ao passo que a Construtora Andrade Gutierrez amplia os projectos.
Por seu turno, cresce a influência da TV Globo Internacional, que fornece novelas para a Televisão oficial e, além disso, tem 150 mil assinantes. E a Universidade Agostinho Neto contratou diversos professores brasileiros, dá facilidades aos 2 mil estudantes que freqüentam escolas superiores do Brasil, em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Rio Grande do Sul. Paralelamente, a Universidade Agostinho Neto desenvolve-se a partir dos seus 50 mil alunos, que freqüentam 68 cursos de licenciatura, 18 de bacharelato e 15 de mestrado. E anuncia-se que funcionam igualmente 14 universidades particulares em todo o território.
Para lá das saudades que têm da Pátria, os brasileiros que optaram por Angola, definitivamente ou com planos de regresso, vivem muitíssimo bem. Considerando que são milhares os que auferem o triplo dos salários que ganhariam no país natal. E são bastantes aqueles que têm viagens pagas para revisitar de dois em dois meses as famílias que deixaram no país natal.
Como não há bela sem senão, os neo-emigrantes queixam-se da carestia angolana – e só os produtos importados são bons, porque a jovem nação ainda não pôde reformular a sua agropecuária, que foi outrora muito razoável. Os alimentos mais apreciados custam 4 vezes mais do que no Brasil: uma lata de coca-cola custa US$2,70 e uma refeição aceitável fica em torno de USA$50,00 – a moeda nacional é o “kuwanza”, mas para adquirir 1 dólar são precisos 75 “kwanzas”! E isto explica que um apartamento de 2 dormitórios não seja acessível por menos de US$ 5 mil… mensais! (Os executivos mais bem pagos chegam a dispender US$ 5 mil!).
Os brasileiros são como os portugueses e, por isso, irritam-se com o trânsito mais do que lento (em Luanda, nas horas de pico, há quem demore 3 horas para percorrer uma distância de 15 km…). Apesar dos pesares, Angola ainda vale a pena, em especial para os que têm paciência, porque oferece ao visitante praias bonitas, paisagens belíssimas – e, acima de tudo, ao que diz O Estado de S. Paulo, “o angolano é boa gente”, simpático, bem educado e gosta dos brasileiros (e também dos portugueses, porque a colonização foi muito pior noutras terras africanas).
Todavia, o que confrange é a pobreza vivida pela maioria dos 4,5 milhões de residentes na cidade de São Paulo de Assunção de Luanda, fundada pelos colonizadores, em contraponto a São Paulo de Piratininga. Resta aos bons luandenses a esperança de um futuro melhor, já que o presente é difícil.
Os brasileiros adaptam-se à vida angolana, mal grado a falta de uma felicidade completa, que não existe fora do sonho. E quem desembarca em Luanda para trabalhar não deve esquecer a sua condição de emigrante. Aliás, brasileiro que vai para Angola é um privilegiado, porque um alto salário contribui decisivamente para reduzir a saudade.
(*) João Alves das Neves é escritor (e-mail: jneves@fesesp.org.br)